Pinheiro

Autor José Sarney*

Pinheiro estava no século XIX. Seus hábitos e costumes remontavam ao tempo da Colônia, e ainda era uma área de descobertas. O único meio de comunicação era o telégrafo, de fio único, que atravessava o campo, linha tênue de referência no meio do verde e das águas. Muitas vezes, menino, eu ficava na beira desse campo, olhando a infinidade de pássaros que pousava no fio do telégrafo, única ligação da cidade com a capital. Eram andorinhas, patativas, vim-vins, guriatãs, pássaros todos pequenos que ali descansavam e, como nós, admiravam o campo. Em nuvens se formavam, alimentando-se das sementes de capim ou dos mosquitos que proliferavam nas águas e que eram apanhados como comida, no baile das andorinhas em vôos de evoluções e acrobacias que nos faziam passar o tempo contemplando-as.

A cidade era uma pequena vila de duas ruas, uma maior, o eixo central, como sempre chamada de Rua Grande e outra que dela derivava e ia em curva até a Igreja de Santo Inácio, onde se iniciara a povoação, com a primeira morada, do Capitão-Mor de Alcântara, Inácio José Pinheiro, que por ali chegara em busca de novos campos para localizar fazendas de criação de gado, tendo montado curral, por volta de 1815. Em 1856, a povoação foi reconhecida como vila, pela Lei Provincial 439, e, em 1868, ali já existiam “200 almas”. Em 1920 foi elevada a município, desmembrada da Comarca de São Bento.

As vilas e cidades no Brasil sempre começaram com uma capela, marco de povoação. A devoção vinha primeiro. Em Pinheiro, primeiro chegou a fazenda: casa e curral.

Os jesuítas foram os evangelizadores da Amazônia e dividiam com os capuchinhos, carmelitas e os mercedários a credencial de quem chegara primeiro. Quando o Papa João Paulo II visitou São Luís, em 1991, preparei e entreguei algumas informações sobre a cidade e o Maranhão ao Núncio Apostólico, meu amigo Dom Carlo Furno, hoje cardeal jubilado. Surpreso, vias incorporadas na homilia que o Papa fez durante a missa que celebrou:

“Recordo com emoção a História da Igreja aqui iniciada em 1612 pelos missionários capuchinhos franceses na cidade fundada por La Ravardière. O Maranhão se tornou o centro irradiador da extraordinária ação missionária que os jesuítas, capuchinhos, mercedários e tantos outros estenderam à imensa região amazônica no século dezessete. Aqui, o grande clássico da língua portuguesa, o orador  sacro e missionário Padre Antônio Vieira, soube defender a dignidade humana e a liberdade dos indígenas e denunciar os abusos que contra eles cometiam os colonizadores da terra. Por isso, desejo recordar este monumento que nos lembra um dos marcos fundamentais da evangelização na América Latina. Refiro-me ao Convento das Mercês que, recentemente restaurado por mãos generosas, concluirá sua reconstrução quando lhe for anexada a Igreja que os padres mercedários construíram, no início deste século, com enorme sacrifício e zelo. Nele ressoam ainda hoje as palavras do Padre Antônio Vieira que residiu nessa casa.”

A verdade é que a missão francesa que fundou a cidade de São Luís trazia quatro padres capuchos recrutados no Convento de St. Honoré, em Paris. A dois deles devemos livros fundamentais na História Brasileira. A Yves d’Évreux, o Suitte de l’Histoire des Choses Plus Mémorables Advenues en Maragnan, ès années 1613 et 1614 ou Voyage dans le Nord du Brésil, em que ele faz um relato dos animais e plantas do Maranhão e, pela primeira vez em nossa História, conta como os índios tupinambás viam o cosmo, o interpretavam e nominavam algumas constelações. O outro é do Padre Claude d’Abbeville, um extraordinário e minucioso relato da aventura francesa no Maranhão, a França Equinocial, em que descreve costumes, História, plantas, o envolvimento da corte francesa com a colonização do Norte do Brasil, e afirma que, com essa conquista, Luís XIII, o duvidoso pai de Luís XIV, o Rei Sol, seria rei de três coroas: França, Navarra e Maranhão.

Já os jesuítas vieram com Jerônimo de Albuquerque na expedição portuguesa que combateu os franceses: os padres Luís Figueira e Francisco Pinto.

No período filipino, também, os padres mercedários Pedro de Santa Maria e Juan Carnero de Alfaro desceram de Quito (então no Peru) e fundaram, no Maranhão e em Belém do Pará, dois conventos — seus sucessores se instalaram também em Alcântara —, com igrejas, fazendas para seu sustento em Alcântara, Viana e por toda essa região de pastagens. Nela, quase todas as ordens religiosas possuíam propriedades.

Em duas ruas, a cidade se esgotava. Do Engenho Queimado, do outro lado do campo, duas léguas de uma lâmina de água coberta de capim. Coube-me, como Governador do Maranhão, aos 35 anos, a oportunidade de construir uma barragem atravessando esse campo e uma ponte sobre o Rio Pericumã, além da estrada que liga Pinheiro a São Bento, passando pela Palmeira, hoje município de Palmeirândia. O Jornal de Pinheiro, quando inauguramos a barragem, tinha a manchete: “A obra do século!”

Crônica publicada no Livro ECOS DA BAIXADA, páginas 152/155.

* José Sarney é natural de Pinheiro (MA). Foi deputado federal, governador, senador e presidente da República. É membro da Academia Maranhense de Letras e da Acade- mia Brasileira de Letra.

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