Minha primeira vez na Baixada

Autor Alexandre Abreu*

O ano era 1979, o dia era 02 de novembro, dia de finados. Saímos de São Luís em um ônibus da empresa Florêncio com destino a Viana.  Éramos um grupo grande, formados de filhas, filhos, genros e noras do meu futuro sogro Sr. Acrísio Mendonça, baixadeiro da gema, ex-prefeito de Viana. Íamos passar o final de semana na Fazenda Nazaré, da qual já havia ouvido muitas estórias mas que eu ainda não conhecia.

A viagem transcorreu bem até o povoado Cachoeira, onde tivemos de descer e esperar a chegada da maré, pois já estava quase na hora da pororoca. Eu não entendia muito bem o que aquilo significava pois nunca havia visto esse fenômeno da natureza. Na região da minha mãe, a região do Munim (onde eu costumava passar minha férias, banhando no rio, pescando de canoa, apanhando frutas, jogando futebol em uma pequena campina, além de, em determinadas épocas, ajudar na fabricação do sabão de Andiroba Boa Esperança, de propriedade do meu avô) o rio também sofre a influencia da maré, mas ele vem subindo aos poucos, lentamente, ao longo de umas seis horas.

Pelo que  me tinha sido contado, o rio Pindaré subia rápido e pujante e, assim, nos quedamos para esperar, tomando uma cervejinha em um comercio que havia às margens do rio. Algumas cervejas depois, ouvimos uns gritos:  “A maré esta chegando”. E logo os barqueiros correram para levar suas pequenas embarcações para longe das margens, onde elas poderiam ser danificadas pela força da maré. Eu também sai para ver o espetáculo e nunca esqueci.

Como uma onda constante de aproximadamente meio metro, o rio enchia rapidamente trazendo paus, pequenos aglomerados de mata e mangue e dentro de tudo isso uma imagem prendeu a minha atenção. Sobre um balseiro formado por galhos, folhas e outras vegetações, despontava um grande pato branco com manchas negras como  a surfar na onda (preconizando o que seria realizado anos depois em Arari) olhando assustado para o lados, vindo sabe-se lá de onde e assim seguiu viagem até se perder na curva do rio.

Logo o rio  estava cheio e pudemos atravessá-lo sem problemas. Do outro lado nos aguardava um “pau-de-arara”, que, ao contrario do tão conhecido  instrumento de tortura, era  um caminhão com bancos de madeira na sua carroceria, com cobertura de tábuas. Ali enfrentei o primeiro problema. Por ser relativamente alto, minhas pernas não cabiam nos vãos entre os bancos  e dessa forma tive que me posicionar na lateral do banco, com os joelhos para o lado de fora do caminhão.

Chegamos em Viana já ao anoitecer, indo direto ao cemitério onde meu sogro e os filhos e filhas que nos acompanhavam foram reverenciar seus entes já falecidos, enquanto nós outros aguardávamos em um barzinho existente nas redondezas.

 De lá, já escuro, seguimos para a Fazenda Nazaré pelo campo. Não se conseguia enxergar nada por causa da escuridão, não entendia como chegaríamos a algum lugar. O  carro que nos transportava, uma pequena caminhonete, sacolejava e nos deixava empoeirados com a poeira miúda do campo, mas a expectativa de chegarmos à fazenda alimentava nossa alegria e, sem entender bem  como, chegamos afinal à sede da Fazenda Nazaré.

A sede, muito antiga e que se conserva até hoje, graças aos esforços dos filhos, nos recebeu com a iluminação de lamparinas, muito conhecida por mim pois era o que tínhamos para nos iluminar no Munim, além do já consagrado Petromax que era o que de mais avançado existia na época, em tecnologia de iluminação. Tratava-se de um recipiente metálico onde se colocava o querosene, tendo na parte de cima um receptáculo de vidro que protegia um camisa de seda. Ao bombear o recipiente de metal o querosene, em forma de vapor pressurizado, envolvia a camisa de seda  que uma vez acesa se mantinha como uma lâmpada moderna a iluminar boa parte do local onde se encontrava essa maravilha do passado.

 Ao chegar, seu Acrísio me fez tomar uma talagada de aguardente  de sua própria fabricação, a famosa cachaça Nazaré, que ele guardava para o seu velório. Eu, para não fazer feio aos olhos do meu futuro sogro e fabricante da cachaça, tomei sem pestanejar. Só Deus sabe como consegui. Hoje eu sei que era realmente uma senhora aguardente com 54º de graduação alcoólica.

 Para o jantar, “Voilá”. Um leitãozinho assado com uma manga rosa na boca, acompanhado de arroz e farofa. O primeiro e único leitão servido dessa forma na fazenda. Depois de casado, na primeira vez que retornei à fazenda as comidas eram sempre peixe de água doce. Curimatás, piaus, surubins, calambanjes e eu, que nunca fui um grande apreciador de peixe, perguntava sempre, – E o leitão?  Até a morte do meu sogro, e ainda hoje eu conto para todos que aquele leitãozinho foi uma das artimanhas do velho  para me impressionar e fazer com que eu casasse com a sua filha.

No dia seguinte, bem cedo, meus olhos  descortinaram  uma das visões mais espetaculares que já vi. Da janela da varanda, avistei  um campo verde que se estendia pelo chão qual um tapete que Deus havia colocado com carinho para cobrir toda a terra. Ao fundo o lago do Aquiri. Os búfalos ainda não haviam se disseminados pela região e ainda não existiam buracos que maculassem aquele tapete.

 Bem em frente, frondosa, imponente uma sumaumeira centenária a guardar todos os segredos de gerações que por lá haviam passado. Que visão magnífica. Ali, naquele momento eu que já havia me apaixonado por uma baixadeira, me apaixonei pela Baixada.

 No fundo no fundo, sem saber, eu estava apenas voltando às minhas origens, pois descobri depois, graças ao Fórum em Defesa da Baixada Maranhense, que meu avô, que não conheci, Antonio Eulálio de Abreu, era natural de São Vicente Ferrer, baixadeiro legítimo.

Acho que assim como os Lençóis Maranhenses, todos os brasileiros deveriam ir, um dia, olhar um amanhecer ou um entardecer nos campos da Baixada.

O final de semana  passou, e eu, qual menino que ganha um presente novo, fiz tudo que tinha direito, andei a cavalo, ferrei gado, comi traíra seca assada com cachaça no prato de balança, que delicia!!! (até hoje uso esse método quando quero deixar alguém boquiaberto),tomei banho na beira do poço, comi porco assado no fogareiro e matei muiiita praga, anestesiado pela cachaça com limão.

Acabei casando mesmo com a filha do Acrísio Mendonça, a Marlilde, com quem sou casado até hoje, e que me deu três filhos, duas meninas e um menino.

Bons tempos, boas lembranças que nunca esqueci. Hoje já se passaram quase quarenta anos, me considero um baixadeiro por adoção e por paixão, e sempre me recordo com carinho daquela primeira vez, afinal, aquele leitãozinho não estava ali por acaso.

Alexandre Abreu