Autor João Carlos
Ouvir o CD “Canto para um Canto” de autoria do meu amigo de infância Luís Kleber, Kebinha, é como viajar numa máquina do tempo, num retorno aos áureos tempos, tempos de beleza, amizade, brincadeiras, sonhos, um retorno não só possível, mas principalmente, desejado, almejado ardentemente de coração. As músicas cantadas na maviosa voz de Torlene, nas surpreendentes vozes de Alinson, (Lalá-), e Marcelo, junto com um extraordinário arranjo, deram o exato tom intimista, necessário ás grandes obras. Não deixando, na minha modesta opinião, a desejar para quaisquer outras composições da MPB ou MPM. – Música Popular Maranhense-.
Embora falando de uma cidadezinha ignara nos confins da Baixada Maranhense, o disco não se torna piegas, provinciano, pelo contrário, universaliza os tons, as letras, mais ou menos, guardando as proporções, como o filósofo Imanuel Kant, que sem sair da pequena Konisberg, encravada na região portuária da Prússia, tornou sua obra universal, ou Luís Gonzaga, Geraldo Azevedo, Elomar Filgueiras, Xangai, Cora Coralina, dentre outros tantos, que também fizeram o mesmo.
E as lembranças fluem graciosas, nos elegantes versos. Rememoramos o canto de seu Miguel, tio Ademar, Juca Amaral, mamãe; uma esquina da Rua Cel Antonio Augusto com rua Dr Afonso Matos, que ficará para sempre em nossos corações, como as ruas que brincávamos, banhávamos na chuva, sem nenhuma preocupação.
Quem se esquece do cajueiro do mercado, imponente, majestoso, de João Djiba, e suas inúmeras traquinices?; Ou do banho na baixa de Grijosto, e a consequente surra ao chegar em casa, coberto de lodo e de satisfação ? O papagaio suro, com cerol na linha, que tão felizes pegávamos para brincar? Correndo esbaforidos, os joelhos arranhados e os pés cheios de espinho?
Quem sabe uma vida feliz, ditosa, não seria com uma rosa no dedo, nos contando e até lembrando coisas belas da sua vida nas matas, que o homem de forma inexplicável e maldosa luta para acabar? Talvez num espelho em um banheiro de pindoba? Num banho de poço no juçaral?

A verdadeira felicidade não estaria em comer um caroço de pequi, daqueles carnudos lá de Meia Légua, Aquiri, Belas Águas? Ou ainda nos bagres pescados nos igarapés, da Rosa Maxixe, de Buranga, Quebra bunda, com bicho de tucum? Triste realidade a que estamos expostos, contradiz tudo que aprendemos, a infância, o amor a velha Matinha, que mesmo nessa realidade tenebrosa, insiste em ainda se manter nas lembranças que são imorredouras.
Kebinha de modo incisivo e autêntico, nos faz esses questionamentos, ficamos então, ao término das canções, com a sensação de que o progresso, do modo como vem sendo desenvolvido e utilizado, está tirando toda a magia, deixando um débito muito grande com a humanidade, a sociedade, as pessoas. E mais uma vez evocando a filosofia, relembro Rousseau, e seus conceitos sobre a natureza do homem e os percalços ao qual está sujeita.
Fica então uma certeza: ser feliz, feliz de verdade, de modo pleno e absoluto, talvez só voltando a Matinha de antanho, num regresso aos tempos de menino, de conversas nos fundos dos quintais, revivendo velhos tempos, as belezas dos antigos carnavais, comendo manga com farinha até lambuzar o nariz.