A IMORTALIDADE DE GONÇALVES DIAS

A IMORTALIDADE DE GONÇALVES DIAS

Por Gracilene Pinto

Não sei se pelo viés quase lendário da sua história com Ana Amélia; pelo caráter passional das suas obras românticas e nacionalistas, que casam tão bem com minha natureza poética; ou mesmo por seu natural poder de sedução, Gonçalves Dias sempre me encantou.   

O poeta consegue seduzir até depois da vida.   

Acresce a isso, o fato de eu ter lido durante toda a adolescência na parede frontal do Ginásio Costa Rodrigues os célebres versos da Canção do Tamoio:    

“Não chores, meu filho;  
Não chores, que a vida  
É luta renhida:  
Viver é lutar.  
A vida é combate,  
Que os fracos abate,  
Que os fortes, os bravos  
Só pode exaltar.”  

Certo é, que desde muito cedo me senti fascinada pelo poeta maranhense, por seu histórico de vida e pelos seus versos, que declamei muitas vezes.   

Há um poema dele que me inebria sobremaneira intitulado Leito de Folhas Verdes:    

Por que tardas, Jatir, que tanto a custo 
À voz do meu amor moves teus passos? 
Da noite a viração, movendo as folhas, 
Já nos cimos do bosque rumoreja. 
 
Eu sob a copa da mangueira altiva 
Nosso leito gentil cobri zelosa 
Com mimoso tapiz de folhas brandas, 
Onde o frouxo luar brinca entre flores. 
 
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, 
Já solta o bogari mais doce aroma! 
Como prece de amor, como estas preces, 
No silêncio da noite o bosque exala. 
 
Brilha a lua no céu, brilham as estrelas, 
Correm perfumes no correr da brisa, 
A cujo influxo mágico respira-se 
Um quebranto de amor, melhor que a vida! 

Gonçalves Dias é, e eu me refiro a ele no presente porque ele continua vivo dentro de cada poeta, de cada coração maranhense, uma criatura tão sedutoramente especial que, até seus ídolos depois de conhecer suas obras, viravam seus fãs.   

O consagrado português Alexandre Herculano, por exemplo, não só se tornou um fã, e mais tarde amigo também, como, após ler seu primeiro livro, “Primeiros Cantos”, escreveu elogiosa crítica ao trabalho do poeta e maior expoente do romantismo e do indianismo brasileiro.  

Baixinho, feiinho fisicamente, e mulato, quando isso ainda era um verdadeiro estigma, além da origem pobre, Gonçalves Dias nasceu na maranhense Caxias em 10/agosto/1823, filho de um comerciante português de Trás-os-Montes com uma mestiça brasileira. O pai, logo separou-se da mãe e deu-lhe uma madrasta, que por sorte o estimou.    

Revelando ainda muito cedo inteligência e talento, tanto que, desde a meninice demonstrava paixão pela leitura e aos 10 anos de idade já fazia a escrituração simples da loja do pai, este desejou tivesse o filho uma educação que lhe possibilitasse desenvolver o intelecto e garantir-lhe um futuro promissor. Infelizmente, seu genitor faleceu antes de pôr em prática tal projeto.   

No entanto, a estrela do garoto brilhava, e havendo recebido apoio da madrasta e de outros mais, tais como, o Juiz da Comarca Dr. Antônio Manuel Fernandes Júnior (que depois foi desembargador) e uma comissão de conterrâneos, os quais contribuíram com quotas mensais para subsidiar ao menino a fim de que pudesse ir estudar em Coimbra, onde se tornou, além do poeta que era por nascimento, advogado, jornalista, etnógrafo, teatrólogo, ensaísta e articulista (artigos que ele escrevia, geralmente, sobre suas viagens de estudo para o Amazonas e demais lugares do Nordeste, e até alguns países europeus e Oceania, onde esteve em missão governamental).   

Foi assim que o menino franzino, Antônio Gonçalves Dias, tornou-se um intelectual, um poliglota, que, entre outras línguas, dominava o alemão e escreveu até um dicionário de Língua Tupi, que dizem ter sido encomendado por Dom Pedro II.   

Elogiado e paparicado por todos no Brasil e em Portugal, em razão do seu talento, tinha dificuldade, no entanto, de obter os resultados materiais necessários à sua subsistência. E, apesar dos elogios que choviam sobre os seus escritos, também não estava livre dos desgostos causados por algumas críticas infundadas.  

Por exemplo, tendo enviado por outra pessoa os dois dramas escritos em Coimbra, Patkull e Beatriz Cenci, ao Presidente do Conservatório Dramático (não queria que soubessem que os textos eram de sua autoria para não ter um julgamento avaliado e aprovado em homenagem ao seu nome), descobriram nos textos os avaliadores mil defeitos e galicismos imperdoáveis.  

Magoou-se o poeta ante a injustiça sofrida, pois sabia-se um purista, e despicou-se escrevendo Sextilhas do Frei Antão. O tipo de vingança das pessoas grandiosas de espírito. 

Em outra ocasião, em carta enviada ao seu amigo Teófilo Leal, Gonçalves Dias queixava-se de ter postulado junto aos amigos que o apresentassem ao imperador, o que ainda não acontecera.   

“… nossos grandes homens – disse ele – recebem-me com a carinha d´agua, namoram-me quase como se eu pudesse dispor de alguns votos, e estou certo que se for bem recebido pelo Imperador, a quem terei a honra de ser apresentado um destes dias, ninguém será mais festejado, mais gabado… pois, veremos se os bons olhos do nosso monarca farão mudar a minha sorte; de promessas já estou farto… qualquer dia.”  

No entanto, mais tarde foi efetivamente apresentado ao Imperador. E dizem ter sido Dom Pedro II um dos correspondentes com quem ele se comunicava com assiduidade. É verdade que pelo governo imperial foi encarregado de cumprir algumas missões.   

Provido a Secretário e Professor de Latim, do Liceu de Niterói, Gonçalves Dias recebia um magro salário que mal dava para garantir-lhe o sustento. E, quando as cadeiras do Liceu de Niterói foram extintas, para sobreviver com decência, fazia extratos das sessões da Câmara dos Deputados e também artigos humorísticos e folhetins para o Correio Mercantil. No ano seguinte foi redator dos discursos do Senado para o Jornal do Comércio.   

Finalmente, em 1849, foi nomeado Professor de História Pátria e Latim, do Real Colégio Pedro II. Esse emprego, que era desejado pelo poeta, se não era algo soberbo quanto à questão financeira, juntamente com os resultados advindos da pena literária lhe garantiria certa estabilidade e folga.  

Encarregado pelo Ministro do Império, Visconde de Monte Alegre, de coletar nos mosteiros e arquivos das câmaras municipais e secretarias das províncias ao Norte da Corte do Império os documentos mais importantes para o Arquivo Público, bem como, avaliar as condições da instrução pública nessas províncias, começou Gonçalves Dias por São Luís do Maranhão, a fim de abrandar as saudades da terra natal, pois dizia:   

Minha alma não está comigo… está a espreguiçar-se nas vagas de São Marcos, a rumorejar nas folhas dos mangues, a sussurrar nos leques das palmeiras…”     

Mas, deixemos de lado os dados biográficos. Afinal, de tanto que já foi falado sobre ele neste seu bi-centenário, essas informações quase todo mundo já sabe.  

Igualmente, não quero falar sobre o Gonçalves Dias funcionário público administrativo, que, nessa fase da sua vida pouco tempo dispunha até para sua verdadeira produção literária, e se decepcionava com os compatriotas, pois dizia:   

Tudo nesta terra é divino, exceto o homem que a habita.”  

 Vamos nos ater ao poeta e ao seu lado romântico, porque, entre tantas qualidades, atributos e conquistas, foi a poesia que o imortalizou definitivamente, quando, cheio de saudades da Pátria, escreveu a sua Canção do Exílio, um dos mais lindos poemas da língua portuguesa que, de tão belo e tão cheio de brasilidade, os compositores do Hino Nacional Brasileiro lhe roubaram alguns versos para mais enriquecer sua obra:   

Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá  
As aves que aqui gorjeiam   
Não gorjeiam como lá…   
…..  
Não permita Deus que eu morra sem que volte para lá.    
sem qu´inda aviste as palmeiras onde canta o sabiá.   

Eu sempre acreditei que o que imortaliza o ser humano é sua obra, seu legado. E o que imortaliza o escritor é a sua capacidade de expressar os sentimentos de modo a perpetua-los no imaginário popular através dos tempos.    

De nada adiantam os títulos e as loas momentâneas, se a obra não tiver a força suficiente para se consagrar no imaginário popular e transcender no tempo, porque as criações morrerão com o autor.  A obra que não conseguir falar ao coração de gregos e troianos, dos intelectuais aos indivíduos mais simples, não terá cumprido seu papel.    

Por isso, considero que, o que realmente imortalizou Gonçalves Dias não foi só sua intelectualidade, a métrica, a erudição e o romantismo dos seus versos, mas, foi o modo como expressou suas emoções com tal profundidade, que fez com que sua obra conseguisse tocar no coração das pessoas e mexesse com os sentimentos mais lídimos, mesmo depois de passados dois séculos.    

Tudo isso, somado ao seu lendário e transcendental romance proibido com Ana Amélia, mexe com o imaginário popular, com a alma dos indivíduos, que se colocam no lugar do amante sofredor, para também vestir o manto do amor vitimado pela incompreensão.  

Todo mundo está careca de saber que Gonçalves Dias era apaixonado por Ana Amélia Ferreira do Vale. Embora, nas horas vagas, também haja se apaixonado por uma dúzia de outras mulheres, como Céline, em Bruxelas; Leontina e Natália, em Dresden, na Alemanha;  Joséphine e Eugénie N., em Paris, (por causa desta última Gonçalves Dias enfrentou a maior treta com a esposa, pois Olímpia, não se sabe como, teve conhecimento da relação dos dois e das cartas trocadas). Isto, sem falarmos na outra Amélia, a Amélia R., uma brasileirinha filha de um alto funcionário do Tesouro, que o conheceu enquanto passeava na Europa em companhia da mãe, e, com Gonçalves Dias, idealizava projetos de casamento futuro, sonhando acordada com o filhinho que teriam, que deveria chamar-se Antoninho.   

Enfim, um sedutor por excelência é o que foi o nosso Gonçalves Dias. A todas cortejava, à todas fazia promessas, e à todas piedosamente mentia, segundo a necessidade do momento.   

De acordo com Manuel Bandeira, estudioso e biógrafo de sua vida e obra 

nem o trabalho exaustivo das comissões, nem o peso dos íntimos desgostos, ser-lhe-iam entrave ao vezo de namorador impenitente… aquele homenzinho de um metro e cinquenta, coração agora ulcerado pela paixão de Ana Amélia, continuava o mesmo autêntico devastador de corações femininos, e nesta matéria aproveitou gulosamente as suas folgas de tempo nos quatro anos de Europa. O poeta queixava-se, era um chorão, mas o homem agia. Era junto às mulheres, como o viu João Francisco Lisboa, na festa de N. Sra. dos Remédios. Sabia falar, tinha lábia inesgotável.”     

Porém, isto, ao meu modo de ver, não significa, absolutamente, que não tivesse amado à Ana Amélia, ou que estivesse sempre mentindo para as outras Amélias.  

Quero mesmo crer que, no momento em que fazia promessas e juras às namoradas, fosse realmente o que sentia naquele momento o seu volúvel coração de poeta.  

Ou, quem sabe, muitas vezes mentisse apiedado por não conseguir sentir com a mesma intensidade a paixão despertada. Talvez a mentira fosse apenas um modo de retribuir de alguma forma o afeto recebido e não deixar a parceira constrangida por tê-lo amado.  

Quanto à Ana Amélia, seria verdadeiramente amor o que sentia pelo poeta ou apenas uma fantasia criada graças à proibição familiar?   

Segundo o  testemunho de um tal de Onestaldo de Pennafort, genro de um sobrinho de Ana Amélia, ela, que tinha um tipo mignon, vivos olhos negros e rasgados, e uma tal expressão de doçura e simpatia envolvente, nunca esqueceu de todo o poeta, e sobre ele, ainda na velhice, discorria com arroubos de sentimento. Foi uma musa digna do poeta. Não obstante, seguiu sua vida, chegando a casar-se duas vezes.    

E Gonçalves Dias, seria Ana Amélia sua alma gêmea ou apenas uma espécie de fata morgana, uma imagem idealizada do amor proibido que não pudera exaurir as emoções como devia?   

  Não se pode descartar de todo que Gonçalves Dias talvez não amasse verdadeiramente nem Ana, nem Amélia, nem Olímpia… amasse somente a ideia de um amor perfeito.  E assim, impossiblitado de ter em seus braços sua musa, imortalizou-a em seus versos, e amou-a tanto quanto alguém pode amar.   

Mas, também seguiu sua vida e casou-se com Olímpia, com quem teve uma filha, que, infelizmente, não viveu por muito tempo.   

É provável que, a seu modo, Gonçalves Dias tenha sentido algum afeto por Olímpia, pois casou-se com ela. Mas, o gênio forte desta, aliado à inquietude do marido, não permitiram que entre os dois fomentasse um amor do mesmo calibre e com o mesmo lirismo, a mesma transcendentalidade do amor que devotou à Ana Amélia.  

Porque o amor que sentimos por uma pessoa nunca é igual ao que sentimos por outra. Somente nas almas que do além se reconhecem, os corações pulsam no mesmo tom.  

E penso que, somente um amor assim, transcendental, poderia haver inspirado Gonçalves Dias a escrever, entre os outros tantos poemas maravilhosos da sua lavra, a mais bela declaração de amor em forma de poema que se conhece à paixão da sua vida, quando reviu Ana Amélia anos depois em Lisboa. Estou falando de Ainda Uma Vez Adeus.    

“Enfim te vejo! — enfim posso,  
Curvado a teus pés, dizer-te,  
Que não cessei de querer-te,  
Pesar de quanto sofri.  
…………..  
Adeus qu’eu parto, senhora;  
Negou-me o fado inimigo  
Passar a vida contigo,  
Ter sepultura entre os meus;  
Negou-me nesta hora extrema,  
Por extrema despedida,  
Ouvir-te a voz comovida  
Soluçar um breve Adeus!  
Lerás, porém, algum dia  
Meus versos d’alma arrancados,  
D’amargo pranto banhados,  
Com sangue escritos; — e então  
Confio que te comovas,  
Que a minha dor te apiade  
Que chores, não de saudade,  
Nem de amor, — de compaixão.  

O fato é que, quando se fala em Gonçalves Dias lembra-se logo de Ana Amélia. Ninguém pensa nos seus outros amores. Porém, sem querer de forma alguma desdourar a imagem do poeta, nem desmerecer seu amor pela maranhense, eu sempre me pergunto: teriam Ana Amélia e Gonçalves Dias sido felizes, se houvessem concretizado esse amor ideal, casado, gerado filhos, e vivido a rotina normal de qualquer casal?   

Pode ser que sim, pode ser que não.  

Talvez nem chegassem realmente até o casamento, porque muitas vezes a oposição familiar acaba dourando uma pílula, que afinal pode ser amarga, exacerbando em nós o desejo de possuir aquilo que nos é proibido. Isso, muitas vezes já restou comprovado. É o poder da ausência sobre a presença. Tanto que, muitos dos melhores textos de autores maranhenses foram escritos quando estavam fora do Maranhão. Gonçalves Dias não fugiu à regra, sublimando tal premissa com a Canção do Exílio.  

Consideremos que, Gonçalves Dias era um poeta, um romântico passional de alma inquieta, alguém que não se satisfaz com menos que a plenitude de um encontro de almas. Um homem cuja intelectualidade e expressividade verbal seduzia tanto às mulheres quanto aos homens. Os homens no sentido da amizade sincera. E, como poeta, incapaz de se ver refletido nuns olhos cheios de paixão sem empatizar-se com esses olhos, e com a dona dos tais olhos, fossem esses espelhos da alma negros, verdes, azuis ou castanhos.  

Teria Ana Amélia a fleuma, a sabedoria necessária para manter a harmonia do lar casada com um mulherengo, ou o poeta teria aquietado o coração se estivesse nos braços da sua musa?  

Não é demais lembrar novamente que ela, apesar de não haver esquecido o poeta dos belos versos e falar sedutor, como há testemunhos, foi capaz de reconstruir sua vida e casar-se e ter filhos com outros, pois casou-se duas vezes.  

Eis a questão que nunca se conseguirá responder!   

Isso acontece com os poetas e cantores, com os cantadores de boi, que volta e meia pelos arraiais maranhenses despertam desses amores efêmeros nas expectadoras. Estas, atraídas muitas vezes somente beleza da música e da voz, que nem todos os cantadores tem a sorte de ser fisicamente bonitos. Mas, tem carisma. E contam com a magia da música, que é embriagante. E, convenhamos, Gonçalves Dias não era bonito fisicamente. Mas, com certeza tinha muito talento e carisma. Tinha molho. Daí fazer o estrago que fazia.  

Eu, de fato acredito na sinceridade das declarações de amor de Gonçalves Dias por Ana Amélia. Afinal, foi um sonho que não se realizou, ficando apenas na dimensão do ideal, e isso tem bastante peso. 

Mas, não desacredito também da sinceridade do poeta quando fazia suas promessas e demonstrações de afeto pelas outras Amélias que passaram por sua vida.  

Talvez, nos momentos de paixão, ele próprio irrefletidamente acreditasse no amor que dizia sentir. Porém, passado o arroubo, conseguia ver o quanto fora impulsivo e talvez lhe viesse um arrependimento tardio. Quem sabe?   

Amigos, a verdade é que Ainda Uma Vez Adeus, mesmo passados tantos anos, ainda emociona a todos. E a Canção do Exílio, tão simples e eloquente, ainda hoje se impõe como o primeiro poema do simbolismo no Brasil, e, Gonçalves Dias, segundo Carpeaux, foi “o primeiro poeta verdadeiramente nacional”, também classificado por José Veríssimo como “o maior e mais completo poeta do Brasil”.  

Deste modo, para felicidade geral da Nação, o melhor mesmo é deixarmos de lado os alvitres e digressões filosóficas e aceitar a corrente que idealiza o amor através de Gonçalves Dias e Ana Amélia. Assim também viveremos felizes para sempre com nossas convicções.  

Pois, foi lembrando da saga de Antônio Gonçalves Dias que, em 03/11/2020, dia em que se rememorava o falecimento do poeta a bordo do navio Ville Bologne, na Baía de Cumã, eu me vi, de repente, meditando que, a despeito dos outros títulos auferidos por ele, a despeito de ser patrono da Cadeira nº 15, da Academia Brasileira de Letras, que eu saiba, o poeta não foi membro de nenhuma academia, só do Instituto Histórico, não precisou disso. Foi a sua obra que o imortalizou.    

Imaginei também que, que se a fé pública pode encantar Dom Sebastião na Ilha dos Lençóis, quem sabe também Gonçalves Dias não esteja encantado na Baía de Cumã, de onde já podia avistar suas amadas palmeiras, mesmo que, do sabiá só pudesse ouvir o canto em sua imaginação? Mas, convenhamos, imaginação de poeta é coisa milagrosa!   

E, naquele momento até pareceu-me ter ouvido Gonçalves Dias afirmando cheio de certezas:    

mentira, não morri! 
Não morri nem morrerei, 
Nem hoje nem nunca mais.    
Minha alma já fez morada 
Na pátria dos imortais.
Palestra de Gracilene Pinto na AMEI.

APAIXONADO POR JESUS

APAIXONADO POR JESUS

Por José R Gusmão*

Sou um ser imperfeitamente apaixonado por Ti, Senhor.

Vós morrestes por mim por inexplicável amor e pura paixão! Sofrestes na carne como homem e como homem morrestes na cruz! Tua cruz é a prova do amor maior e é o prêmio da minha fé. Fé que se move  também com o peso da minha Cruz, fé que se suaviza com a leveza da tua libertação.

Eu desejaria viver essa experiência de entregar a vida por meu irmão na Tua perspectiva de que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15, 13). Ainda não cumpro o mandamento do amor na dimensão insuperável do Teu desejo e da vontade soberana do Teu Pai.

Teu nascimento transcendental por meio do sacrário vivo Maria é o apogeu de toda a história, passada, presente e futura, e Tua paixão e ressurreição representam o troféu da minha, da nossa vitória. Vitória que começa e termina em Ti, Jesus! Como disse o apaixonado Paulo, que radicalizou: “viver pra mim é Cristo”.
Jesus, Tua paixão me conduziu à libertação!
O “meu ser apaixonado” ainda precisa me conduzir à adoração do Teu Sagrado Coração!
Tua paixão, ápice do Teu amor incompreensível, me arrebatou para o esconderijo do Deus do Impossível e para a consolação do coração de Maria Santíssima.
Minha paixão, por vezes vivenciada no altar da adoração, não consegue entender a razão do teu divino amor, amor humanizado por mim, que sou um ser cravejado de pecados, e ao mesmo tempo marcado de esperanças recolhidas em Ti.

Tua paixão é livre e transborda pelo firmamento.
Tua paixão é plena de espírito e verdade.
Tua paixão é plena de amor e santidade.
Tua paixão é plena de misericórdia e caridade.
Tua paixão é plena de mistério, mistério e mistério, que se esconde no véu entre o céu e a terra. Véu que se descortina sobre este mar terreno e cujo espelho d’água reflete a bondade e misericórdia de Deus.

O “meu ser apaixonado” cresce sempre que o teu corpo e sangue são levantados no altar, pois assim também eu me levanto para uma vida nova. Vida restaurada em Ti e para Ti, Jesus.

Jesus, “meu ser apaixonado”, a minha paixão, quase sempre se empobrece com a pequena profundidade do meu amor, amor arranhado por uma fé, às vezes vacilante, e pela transitoriedade das minhas certezas. Ainda necessito caminhar para águas mais profundas e pescar todo aquele que Deus atraiu para Ti. Sim, Tu me transformastes num
pescador de homens, mas eu ainda sou um peixinho aprendendo a nadar… sem Você, Jesus, às vezes sinto que vou afundar.

Como foi possível a Perfeição se aproximar da minha condição de um ser tão pequeno e insignificante, por insistir em dar o que não tem?.
Mas o que poderia eu Te oferecer, Meu Senhor, por tanto amor? Talvez minha vida passageira seria pouco, posto que não é minha. Só tenho o último instante que vivi e só por hoje quero Te amar, com paixão, como se não houvesse amanhã.

Minha alma que não se sustenta na leveza do teu sopro deseja apaixonar-se por Ti!
Aceita, Senhor da Eternidade, o pequeno tesouro que guardo em meu frágil coração, ora ferido pelo irmão, ora ferindo o irmão, ora magoado pelo mundo, ora magoando o mundo, ora ferindo também teu sagrado coração…
Ouso Te oferecer a “minha paixão”, com um tímido pedido de perdão, visto ser impossível comparar a dimensão do Teu amor e do teu feito por mim.
Tu me conheces de forma implacável, Tu sombra me acompanha de forma inexorável, estás sempre por perto quando me afasto do alcance da retina do Teu Pai.
Permita-me dizer: “Nosso Pai e Pai Nosso”!
Mas é importante que saibas, meu Senhor: “minha paixão” contempla meu passado com suas quedas e lágrimas, meu presente com suas pressas e demoras, meu futuro com suas incertezas e esperanças e minha história inteira com páginas ainda em branco e a espera de belas poesias e respostas. Toma conta, Meu Senhor, deste rascunho que ainda sou eu. Mas insisto, um ser imperfeitamente apaixonado por Ti.

Sim, sou um ser imperfeitamente apaixonado por Ti, meu Senhor. Mas essas gotas de paixão que brotam do meu frágil coração são o suficiente para que eu descubra o sentido da Tua vida na minha, o sentido da minha existência passageira no mundo, vida marcada pelo Teu sangue e que deseja permanecer seguindo Teus passos… até alcançar o
Teu arrebatador abraço.

Embora imperfeitamente apaixonado por Ti, sinto Tua presença quando o mundo tenta me devorar; escuto Tua voz quando me perco na multidão; encontro o rumo na luz do Teu olhar quando perco a direção; Tuas mãos me fortalecem quando me falta chão para caminhar; Teu abraço salvador me alcança quando me envolve a solidão; minha alma se acalma na proximidade do Teu perfume e Tua face desenhada no madeiro da minha pequena cruz ilumina meu caminho, com o brilho maior do que o sol e todas as estrelas reunidas.

Jesus, eu sou um ser imperfeitamente apaixonado por Ti.
Jesus, Tu és Deus perfeitamente apaixonado por mim.
A diferença inalcançável “é o amor, que é o vínculo da perfeição” (Cl 3, 14), amor que liga o céu à terra, amor nos liga a Deus.

 * José Ribamar Gusmão Araújo  é natural de Bequimão/Maranhão. Membro-fundador do Fórum em Defesa da Baixada Maranhense (FDBM), Gestor do Projeto Bosques na Baixada do FDBM. Engenheiro Agrônomo, formado pela UEMA. Mestre e Doutor em Agronomia/ Horticultura pela UNESP, Campus de Botucatu/SP. Professor Adjunto do Departamento de Fitotecnia e Fitossanidade (DFF)/CCA/UEMALeciona no Curso de graduação em Agronomia e no Programa de Pós-graduação em Agroecologia. (Texto escrito em (31.12.2012).

Chegou o Carnaval e os artistas da nossa terra “dançaram”

Chegou o Carnaval e os artistas da nossa terra “dançaram”

CENAS DO COTIDIANO III

Por Zé Carlos Gonçalves

O carnaval toma conta da cidade. E, como bem diz o poeta, “a cidade pega fogo!” No caldeirão fervente, alegria é a palavra chave. Somem “as dificulidades”, “como em um passe de mágica”. Afinal, não há bêbedo pobre! Bêbedo é riqueza! E bêbedo “faz coisa de até Deus duvidar”. Sozinho, faz até um carnaval! Ôxi!

Tudo é permitido. É hora de “vaca não conhecer bezerro”. Pena, que a “ressaca moral” já se constitua só em um termo arcaico. E a ressaca alcoólica não tem “um tempinho” de se manifestar; “o lava prato”, tal um tsunami, vem arrastando “até pensamento de doido”. E se “de doido todo mundo tem um pouco” … o carnaval está inocente.

Só lamento pelos meus ouvidos, que são invadidos, até rimou, por uma bagunça musical “dos infernos!” Esse plural é fantástico. Não sei quem foi lá, mas viu mais de um. Assim, “é difíci de nóis escapá”. Mas, é carnaval, e as ruas se transformam em banheiro. Até a “lei seca” tira férias. E os “sãos” se revelam; tão reprimidos estavam, presos em suas frustrações.

Os inconsequentes são a maior praga carnavalesca. Se “atolam” na barbárie. Podem tudo. Maisena, loló, cerveja quente … O comportamento é deplorável. Esquecem toda e qualquer gentileza.O

Os artistas da nossa terra “sobraram”. E, “por ironia do destino”, recebo a notícia de que os hotéis estão cheios. Muitos turistas vêm “pular” o carnaval do Maranhão. Mas, “fakearam” o carnaval. Até despediram o “Zé Pereira”. “O portuga!” Os incautos turistas “estão é levando gato por lebre”. O que é bem feito, né?! Maranhão não é terra de lebre! É terra, sim, de legitimar o abandono dos gatos. Fez-se até a praça.

Preguiçosamente felina. E, “ântis qui m’isqueça”, o Maranhão “é, de verdade, é” terra de palmeiras. E, “pra não perder o mote”, as palmeiras, e fechar com “uma pitada de humor”, até lembrei longe. Lá, no Zé Maria do Amaral. “Né, qui” um aluno, “um tantinho” gaiato, parodiou, tão bem, “o outro Gonçalves”. O Dias. E, por muito pouco, não causou o infarto do mestre geógrafo, o meu grande amigo – , que lhe pediu para dissertar sobre a grande riqueza deste estado. Então, “não se fez de rogado”. E, “curto e grosso, mandou certeiro”: “Aqui, no Maranhão, babaçu abunda!”

“Que doidiça de petulança!” Foi o melhor zero que já vi!
Só mesmo o carnaval para me trazer esse adormecido episódio!
Eita, carnaval “pilantra”!

Zé Carlos Gonçalves em fevereiro de 2023.

.. E VAMOS FALAR SOBRE O CARNAVAL

.. E VAMOS FALAR SOBRE O CARNAVAL

Por: Flaviomiro Silva Mendonça

Ainda é muito controverso sobre a origem do Carnaval. Alguns defendem que seu surgimento pode ter ocorrido no Egito Antigo, e outros na Grécia ou em Roma. Mas o mais importante de tudo isso é que o carnaval encontrou no Brasil um lugar privilegiado para ser festejado. É a maior festa popular do nosso país, sem dúvida alguma. Pensar no Brasil, sem pensar no carnaval e no futebol nos soa muito estranho, já que os dois já viraram elementos muitos fortes dentro da nossa identidade nacional.

De acordo com Soihet (2003), o carnaval foi somente introduzido no Brasil na década de 1830, com a finalidade de substituir o entrudo, considerado por Galvão (2009), como uma forma primitiva, festa trazida pelos primeiros colonizadores portugueses. O entrudo é uma palavra que vem do latim (introitun), significa entrada, início, abertura para a Quaresma.

No Brasil, não teve como assumir características peculiares com elementos de forte influência negra e indígena. Com o passar do tempo, a brincadeira do entrudo foi considerada vulgar e simbolizava, também, o atraso. Assim, esse tipo de festa carnavalesca foi perdendo, progressivamente, seu espaço e dando lugar ao modelo europeu (elitista e burguês) de festejar o carnaval, utilizando máscaras importadas de Paris e Veneza, fantasias luxuosas, confetes, serpentinas e lança-perfume, contrastando, de fato, com o entrudo, que durante os dias que antecediam o tempo quaresmal, a população sai pelas ruas jogando, entres si, pós, água de líquidos malcheirosos, limões-de-cheiro (feitos de cera) etc.

Na década de 1850, surgiram no Brasil as Grandes Sociedades. Esse tipo de agremiação carnavalesca ganhou grande popularidade dentro do carnaval carioca que se perpetuou por um longo período. O desfile destas entidades lembra muito as escolas de samba de hoje, por possuírem carros alegóricos e mulheres seminuas dançando durante sua apresentação. É uma permanência dos antigos carnavais.

De acordo com a pesquisadora Galvão(2009: 73), ela nos acrescenta que: “a partir de então proliferaram e impulsionaram um novo modelo de Carnaval, considerado mais civilizado e mais europeu”. Interessante é que até os nomes dessas agremiações eram associados a denominação de algum lugar na Europa, como: União Veneziana, Boêmia, Estudantes de Heidelberg e Acadêmicos de Joanisburg. É importante destacar que, mesmo sendo entidades elitistas, carregavam dentro de si ideais abolicionistas, progressistas e republicanos. Em muitos casos, compravam até alforrias de alguns escravos, com dinheiro arrecado pelos seus sócios.

Entretanto, mesmo com a forte implantação de modelo preferencialmente francês de se fazer carnaval, “pela porta dos fundos” se ergueram as manifestações formadas por classes populares compostas, principalmente, por negros e mestiços, afrontando não intencionalmente a crença da superioridade racial e social, dentro de um processo de civilização dos brasileiros à moda europeia. Isso foi motivo para fortes críticas e repúdio por parte dos cronistas e dos intelectuais da época, como Artur Azevedo, que em um artigo publicado no jornal O Paiz, afirmava que: “um estrangeiro que desembarcasse no Rio de Janeiro, num domingo de Carnaval, pensaria estar nalguma terra dominada de africanos” (Soihet, 2009: 304).

Outro problema apontado nesse período era o espaço de sociabilidade que seria destinado a foliões distintos. Havia uma verdadeira segregação: a Rua do Ouvidor (transferido posteriormente para a Avenida Central) era reservada às elites, e a Praça Onze, limitada aos populares (sambistas e malandros). Contudo, esses espaços considerados populares foram, aos poucos, atraindo a classe média, que ao sair de seus corsos, iam diretamente aos blocos de sujo para complementar e extravasar sua euforia.

O Movimento Modernista, na década de 1920, foi decisivo para que as manifestações culturais populares ganhassem definitivamente um lugar em destaque: “Após a Primeira Guerra Mundial desmorona-se a ilusão da Europa como centro de um progresso ilimitado, tomando vulto no Brasil um movimento em busca de suas raízes” (Sohiet, 2009: 308). Era um momento de muita reflexão, de repensar nos valores nacionais, assim como conhecer sua expressão cultural e dessa forma inserir elementos peculiares à nação brasileira em constante processo de construção.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

SOIHET, Rachel. O povo na rua: manifestações culturais como expressão de cidadania. In: O Brasil Republicano – Livro 2. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro: 2003.
GALVÃO, Walnice Nogueira. Ao som do samba – uma leitura do Carnaval carioca. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo: 2009…. ma leitura do Carnaval carioca. Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo: 2009.

Flaviomiro é o último da esquerda para a direita. No Carnaval FDBM 2019

* Flaviomiro Silva Mendonça

É natural de Penalva. Possui graduação em História/Licenciatura (2019) e em Ciências Econômicas, ambos pela Universidade Federal do Maranhão (2002). Tem experiência na área de ensino e pesquisa, atuando principalmente no seguinte tema: HISTÓRIA ARQUEOLOGIA ENSINO

O CAPITÓLIO TUPINIQUIM

O CAPITÓLIO TUPINIQUIM

Por Joãozinho Ribeiro*

A quem interessar possa / A história embora seja / Coisa escrita no presente / Sempre vasculha o passado / E traça o futuro da gente.

Quando afirmo que o futuro é pra ontem, é porque pelo passado recente nem teríamos direito ao amanhã. O tempo que se nos apresenta é de reconstrução e construção das relações humanas. A mudança é um processo permanente. A única coisa perene em todo o sempre do Universo em desalinho.

Implacável e contínua, a marcha dos acontecimentos convoca os sujeitos e os objetos da história para os atos, cujas digitais ficarão para os anais dos feitos das suas (des)humanidades. Uns cometerão canções e versos; outros, crimes e genocídios, que serão lembrados pelas vindouras gerações. A História continuará sendo o tribunal do mundo. Dela, não escaparão os ratos, ainda que abandonem as embarcações e retornem aos esgotos, ou que intentem dissimulados discursos, com auras de um intelectualismo reacionário e defensor do silêncio dos culpados.

Uma linha no horizonte / Um ponto no firmamento / A humanidade do Planeta / Despenca a todo momento.

 Devemos ser, cada vez mais, criteriosos e seletivos para escolher os confrontos e conflitos pelos quais valha a pena lutar. A nossa passagem por esta estação terrena é breve e única. Precisamos valorizar as coisas aparentemente pequenas e insignificantes, que valem e justificam o milagre da existência.

A paz e o reencantamento do mundo retornam como bandeiras necessárias para serem içadas nos pavilhões das nossas esperanças. Sem a pieguice contemplativa das omissões, nem o açodamento das ações destemperadas, inoculadas nos discursos de ódio e na pregação da violência, como meios e fins de resolução da peleja da sobrevivência.

Quem sabe, o recado de Modigliani ainda esteja bastante vivo e adequado para o momento: “O dever de todo artista é salvar o sonho!”. Quem se habilita e se credencia para esta tarefa coletiva e urgente? Qual parte caberá aos ditos intelectuais e acadêmicos nesta contenda de enfrentamento da barbárie e do obscurantismo?

Tormenta, degredo, tragédia / Silêncio que se alimenta / Do roteiro da comédia / Desumana e tão sangrenta.

 Trago comigo algumas respostas, sem nem mesmo conseguir formular as perguntas correlatas. Talvez estas nem existam, porém é importante não negar a possibilidade de suas existências, assim como se dizia das bruxas, em tempos de cumplicidades e pensamentos medievalescos, para justificar a inquisição e a queima dos corpos das mulheres, condenadas sem o mínimo direito de presunção de suas inocências.

Labaredas da vida / Acendendo as razões / E o Planeta girando / Em muitas revoluções.

Quem sabe precisemos retornar ao dilema de Galileu, diante do Tribunal do Santo Ofício, com todas as controvérsias das narrativas, e afirmar com todas as letras: “E pur si mueve!”

Navegar é preciso, Pessoa! Mais do que antes, por mares nunca e sempre navegados! Ou não! Valendo o risco que toda descoberta oferece! Os rios nos cios, as águas vão rolar, apesar daqueles contrários aos seus movimentos! A Terra gira, o mundo gira, o planeta respira, a natureza conspira! A poesia inspira!

A barca da existência / Navega sua leveza / Flertando com a natureza / Nas águas da paciência / Mergulho na finitude / Desejo e delicadeza / Deságuam na correnteza / Da fonte da juventude.

Hora da arte mostrar que existe porque já não basta a vida; e que esta, sem dignidade e respeito, não merece assim ser denominada. Vida e sonhos não são excludentes. Não precisamos importar caricaturas deformadas de atos que glorificam a barbárie e a incivilidade, com seus negacionismos baratos e dantescos. Prefiro finalizar o presente com uma preciosa exaltação da existência, do escritor angolano que nos visita, José Eduardo Agualusa: “A vida não é menos incoerente do que os sonhos; é apenas mais insistente.”

(*) Joãozinho Ribeiro (poeta e compositor, membro da Academia Ludovicense de Letras) e coator do livro Ecos da Baixada, com o artigo, “Ana, de Peri-Mirim para o mundo“.

BAIXADEIROS COM SAUDADES DO INTERIOR

BAIXADEIROS COM SAUDADES DO INTERIOR

João Silveira começou a conversa falando sobre A CASA TÍPICA DE UM BAIXADEIRO MORANDO A BEIRA DA ENSEADA.

Esteios de tucum, grades e caibros de marajá, cumeeira  de pau um branco qualquer, jirau assoalhado de marajá bem raspadinha, coberta e tapada de pindoba amarrada de cipó, ou embira, (conforme a condição financeira) janelas e portas de mensabas, amarradas de cipó ou embira.
Escadas de paus (dois ou três) amarrados de cipó.
Um quarto onde se abrigava toda a família ( em geral cerca de 10 a12 filhos).
Uma pequena sala e cozinha, com fogão de tacuruba, um jirau de lavatório, pela parte externa, uma mesa de pau lavrado a patacho posta sobre quatro forquilhas: uma forquilha de três hastes de urucurana fincada na cozinha, para sustentar o pote, um cofo pendurado acima da cabeça, pra guardar a cuia de farinha “pru mode” o cachorro “nun cumé”, um gato dorme encima da mesa, enquanto o cachorro se agasalha debaixo do fogão, tentando se aquecer com o calor do tataíba com fogo constante a esfumaçar, se protegendo do frio das chuvas intensas do inverno.

Apolinária Câmara entrou na conversa e declarou:

Quanta riqueza nos detalhes!
Mente fértil!
Parabéns, Silveira!
Não deixa os teus textos se perderem. Deves pensar em colocá-los num livro.
Já disse isso anteriormente. És profundo conhecedor dos costumes, cultura…da nossa querida BAIXADA.

Jirau, fogão de tacuruba, cofo, cuia de farinha, forquilha para sustentar o pote…
Era assim na casa de minha avó materna.
Quanta felicidade naquele tempo!

Expedito Moraes também deu  a sua opinião falando:

Este tipo de casa já era um modelo de arquitetura mais completo e com melhor acabamento do que a que SILVEIRA descreveu.
Na que ele se refere era mais encontrada nas beiras dos rios, campos e lagos. E normalmente eram de vaqueiros de gado ou outros animais ou pescadores, que dependiam da sazonalidade para se deslocarem do Baixo no inicio do inverno para o Teso ou vice-versa.
Chama-se esse tipo de moradia de Rancho por serem descartados de 6 em 6 meses.

Gracilene Pinto também deu seu pitaco e disse:

Em Penalva haviam muitos. As famílias alugavam a casa da cidade e mudavam-se por seis meses para o rancho, afim de secar peixe. E, considerando a arquitetura similar das estearias, é provável que o costume haja sido copiado dos povos autóctones que habitaram anteriormente a região e também lembrou sua poesia Estrada da Dor.

Américo Araújo também não ficou calado e declarou:

Super interessante esse debate, surgirão muitos baixadeiro apoiar e contribuir com histórias reais, e assim estaremos divulgando e fazendo nossa rica baixada conhecida pelo Brasil e além fronteiras. Parabéns.

Ana Creusa lembrou que esse tipo de construção rústica a qual Silveira em sua terra é chamada e Tijupá e Aroucha falou que: “É o início do inverno, começo do encharcamento dos campos, para no inverno pleno, os campos e lagos, ficarem assoberbados de água, nos deliciando com a cheia, onde as águas penetram as enseadas e banham as araribeiras e pipoqueira. Coisa linda de ver”.

As conversas dos Baixadeiros enchem de saudades os corações apaixonados pelo lindo Pantanal Maranhense. 

Fonte: Grupo de WhatsApp do Fórum da Baixada.  

MATINHA 73 ANOS – Avenida Major Heráclito

MATINHA 73 ANOS – Avenida Major Heráclito

Autor Aroucha Filho*

Em todo o mundo, as cidades guardam referências que lhe são peculiares: museus, monumentos, fontes, palácios, catedrais, parques, teatros, praças, etc. são os locais mais procurados pelos turistas.

Eu, particularmente, sempre busco os museus e as igrejas, roteiros indispensáveis nas visitas às cidades que procuro conhecer.
As avenidas são sempre relevantes. Assim, temos: a Champs Élysées, em Paris, com seu destacado Arco do Triunfo; a 9 de julho em Buenos Aires, com o seu simbólico Obelisco; a Avenida da Liberdade, em Lisboa, com seus 90 metros de largura; em Santiago, a Avenida Libertador General O’ Higgins, mais conhecida como Avenida Alameda, com seus 8 km de extensão. Confesso que deixei a que mais frequento e adoro passear por último por ser muito especial. Trata-se da Avenida Paulista, onde sempre me hospedo em São Paulo. Tenho grande atração e intimidade com a Paulista. Frequento-a, quando em São Paulo, diariamente. Sou um assíduo frequentador do MASP.

No entanto, a Avenida que mais me encanta, que me fascina, é a avenida em que nasci no ano de 1951. Uma via mística, indelével na minha memória, com todo seu simbolismo histórico, charme e importância na vida da cidade.

Percorri todo esse caminho para me referir à Avenida Major Heráclito Alves da Silva, da cidade de Matinha – Maranhão. Tão importante para nossa cidade quanto às citadas anteriormente. Para mim, mais importante até.

A Avenida Major Heráclito nasceu junto com a cidade. Os primeiros traços de urbanização da sede do município foram implantados nesse logradouro. A marcante característica urbana, que se apresenta com suas ruas largas, teve origem no traçado dessa avenida, irradiando esse aspecto para as demais vias que foram se abrindo, com o processo de expansão urbanista da sede do município.
Com seus 1.300 metros retilíneos de extensão, por 17 metros de largura, em média, a Major Heráclito nasce na Avenida José Sarney, que até a década de 60 era denominada Rua João Pessoa, e se estende até a MA-014. Antes da construção da MA-014, chegava até o portão do Campo de Aviação.

O primeiro prédio era o Abrigo, local onde os passageiros aguardavam os aviões teco-teco que faziam linha (voos) para os municípios da Baixada Maranhense.

Do outro lado da avenida, a primeira casa era a residência do Sr. Teodomiro, bem próximo à cerca de proteção do aeroporto. Assim, a Avenida Major Heráclito foi, e ainda é, a via mais importante da cidade de Matinha, onde antes se concentrava todos os órgãos e serviços público dos três poderes, nas esferas municipal, estadual e federal.

Ficavam nesse logradouro a Coletoria Federal, a Agência de Estatística – IBGE e a Agência dos Correios e Telégrafos. Meu pai era o responsável pelos Correios. E nesse prédio público eu nasci e morei até o ano de 1961.

No mesmo terreno, logo depois dos Correios, por iniciativa do meu pai e outros moradores foi construído o Grêmio Recreativo Matinhense 15 de Fevereiro, local onde foram realizadas as melhores festas da sociedade matinhense por um longo período. Hoje, ali funciona a loja do Armazém Paraíba.

Os órgãos do poder estadual ali sediados eram a Delegacia, a Cadeia, o Hospital Dr. Afonso Matos, o Grupo Escolar Joaquim Inácio Serra e a Coletoria Estadual.

Quanto aos órgãos do Poder Municipal, a Câmara Municipal e as Secretarias, funcionavam na Prefeitura, imponente prédio com uma entrada principal rodeada de janelões e varanda interna em formato de L.

Na hoje residência do Sr. José Bonifácio, funcionou nas décadas de 50/60 um Colégio Municipal com duas salas de aula, o Coleginho, assim chamado por ser próximo, e bem menor, que o Grupo Escolar Joaquim Inácio Serra, na época a maior construção do município.

Na Major Heráclito funcionaram lojas expressivas para o comércio local; na esquina da Prefeitura, hoje local da casa da Sra. Livramento, funcionou o comércio do Sr. Antônio Neves. Naqueles tempos não havia luz elétrica em Matinha. Isso, na segunda metade dos anos 50.

O comércio do Sr. Antônio Neves era o principal distribuidor de querosene, combustível utilizado para alimentar as “lamparinas, única fonte de iluminação das residências. Rara era a residência matinhense que possuía “Petromax”.

Por ocasião da posse do Prefeito João Amaral da Silva, segundo prefeito eleito de Matinha, um foguete atingiu o depósito onde eram guardadas as latas de querosene, provocando um grande incêndio. O primeiro grande incêndio registrado em nossa Cidade. Posteriormente, esse ponto comercial foi adquirido pelo Sr. João Amaral Nunes, conhecido como João Barata, que ali instalou uma grande loja de tecidos, armarinhos e utensílios domésticos. No outro canto funcionava o comércio do Sr. João Lima, uma mercearia e bar com uma bela mesa de jogo de bilhar.

O mais importante comércio da avenida pertencia ao Sr. Manoel Antônio da Silva, primeiro Prefeito de Matinha, nomeado para instalar o município e promover a primeira eleição, na qual foi eleito o primeiro Prefeito de Matinha, o Sr. Aniceto Mariano Costa.
Esse comércio funcionava em uma loja geminada à residência do Sr. Manoel Silva, e ali vendiam de tudo.

O senhor Manoel adquiria e exportava para São Luís gêneros produzidos ou produtos extraídos no município: amêndoas de babaçu, tucum, farinha, arroz, etc.

Não tenho certeza, porém, creio que a primeira padaria de Matinha funcionou ali nos anos de 1949 a 1953. Tinha como padeiro chefe o senhor Ribamar Muniz (Ribamar de Honório), auxiliado por Nelson Alves e Francisco Gomes da Silva (Chico Padeiro). Em seguida, essa padaria foi adquirida pelo seu genro Sr. Arnaldo Lindoso, o qual ficou até o ano de 1963. A Padaria São José era avançada, para a época, e seus produtos eram distribuídos em todo o território do município, com destaque para o pão de massa fina e massa grossa, pão doce, bolacha doce, biscoito e a famosa bolachinha.

Eu, como vizinho e amigo dos seus filhos Carlos Eduardo e Carlos Antônio, tinha como divertimento arrumar as bolachinhas na fôrma antes de ir ao forno para serem assadas. Isso, claro, nos dava o direito de nos deliciarmos com boa porção desse tradicional produto matinhense.

As melhores casas residenciais eram as da Av. Major Heráclito, em sua maioria de alvenaria e telha. Nesses tempos ainda predominavam as casas construídas com taipa e palha.

A avenida já ostentava um belo conjunto arquitetônico, composto pelo prédio da prefeitura, o Grupo Escolar, o prédio do hospital, o prédio dos Correios, e a imponente casa do Sr. Manoel Silva, com sua bela escadaria interna e o piso em sobrado de madeira de lei.

Nas imediações da casa do Sr. Sebastião Neves existia duas belas casas no estilo “bangalô”, as primeiras desse tipo arquitetônico da cidade. De propriedade do município, essas edificações tinham plantas bem diferentes da arquitetura local. Era um estilo arquitetônico com linhas modernas, acesso por corredor descoberto e porta ao fundo. Cumeeira no sentido perpendicular à avenida, teto com duas águas, e sem os usuais “espigões”.

Duas barragens de contenção, construídas de alvenaria, existiam na avenida para evitar erosão e facilitar a acessibilidade das pessoas no período invernoso. Eram implantadas no sentido longitudinal à avenida. A primeira, a maior, foi construída na década de 50, e ficava frontal à Praça de Eventos. Era longa, bem construída e possuía uma grande galeria por onde escoavam as águas pluviais que se acumulavam em grande volume naquela área. A outra ficava nas imediações do Depósito Leal, e tinha a mesma finalidade. Não possuí galeria, apenas um recorte por onde era drenada a água que escorria do transbordamento da Baixa de Crisóstomo. Suas águas alimentavam o Igarapé de Pito. As da outra barragem, o Igarapé do Gongo.

Em uma noite da década de 50, em procissão iluminada por velas, a comunidade católica saiu da Igreja de São Sebastião conduzindo uma grande cruz. Eu participei desse evento religioso. Seguimos até às imediações da Padaria de Benedito de João Lima, onde foi implantada uma grande cruz de madeira, na cor ocre, bem no centro da avenida. Era um grande monumento da fé, por todos chamado “O Cruzeiro”, que ali permaneceu por décadas. Em sua base de dois degraus, reuniam-se moradores para longas conversas ao final da tarde. Lamentavelmente, não foi preservado.

O primeiro Mercado de Matinha também funcionou na Major Heráclito, e ficava próximo à esquina da Prefeitura.

Nessa avenida vivi alegre e feliz toda a minha infância e carrego até hoje as amizades dessa infância. Todas as brincadeiras permitidas pratiquei nesse belo logradouro. Joguei bola, empinei papagaio, andei de perna de pau, rodei ladeira a baixo dentro de pneus, joguei bolinha de vidro, peão feito de coco babaçu, jogo de chucho, banhei na Baixa de Crisóstomo, andei de bicicleta. Enfim, fiz muitas estripulias por ali. E hoje, em homenagem aos 73 anos de emancipação política de Matinha, falar dessa imponente Avenida é o meu contentamento.

Parabéns Matinha!
Parabéns, minha terra querida!

José Ribamar Aroucha Filho (Arouchinha) é natural do município de Matinha-MA, Engenheiro Agrônomo aposentado do INCRA, exerceu os cargos de Executor do Projeto Fundiário do Vale do Pindaré e Executor do Projeto Colonização Barra do Corda. Ex Superintendente do INCRA Maranhão. Foi Superintendente da OCEMA e Chefe de Gabinete da SAGRIMA.

PESCA-VIDA

PESCA-VIDA

Por José Carlos*

Em nossa cidade, como em tantas e tantas da nossa imensa Baixada, devemos muito e muito aos conterrâneos, que dedicaram boa parte da vida, se não toda, “à sagrada arte”: a arte do pescar. Verdadeiros heróis a nos saciar com o alimento mais consagrado, principalmente o retirado dos rios, em especial do Pericumã (!!!).

Essa admiração sempre me acompanha: foi, é e sempre será forte!  Dos pescadores, as primeiras lembranças que tenho são, na Ponta da Capoeira, as da minha avó, Dedé, que se “equipava” como uma verdadeira “astronauta” – essa era a impressão que eu tinha na época – a ir à pesca: camisa manga comprida, do meu avô; calça larga, do meu avô; um lenço, que lhe pendia da cabeça, cobrindo-lhe o pescoço; um chapéu de aba terrivelmente larga, para a proteger do sol inclemente; deslizando-flutuando suave e serena, pela enseada, em uma imensa canoa.

Interessante é que a pescaria, da vovó, era antecedida de uns preparativos, os quais eram um verdadeiro ritual: alguém ia verificar os “baixos”, para se certificar “do tempo certo”. Depois, saía com uma enxada ou um “chacho”, às costas, e uma lata. Seguiam-se, então, as enxadadas na terra encharcada, a fim de capturar as melhores minhocas, que virariam apetitosas iscas.

A vovó era mestra em pescar acará. Acará pitanga, para nos oferecer um escabeche, suculento, fornecedor de tanta “sustança”, feito na mais perfeita frigideira de barro, temperado com o mais puro azeite de côco e com o estalar da lenha seca, que me “contava” segredos e segredos do reino do faz de contas.

Também, ainda, alcancei Antônio do Rosário, meu avô, sair para pescar, à noite, a fim de fazer “a ceia de bagre”, madrugada a dentro, ocasião em que eu e as demais crianças dormíamos por não “aguentar” esperar, sendo despertos apenas para desfrutarmos de tão rico e delicioso pasto.

Embora criado nessa atmosfera, que muito me seduzia, nunca fui um pescador – nem para contar histórias – salvo algumas tentativas de capturar piabas “na garrafa”, o que, venhamos, não é glória alguma.

Entretanto a magia da pesca “pescava-me” e se coroava com o espetáculo pujante, durante “as cheias”, quando “os pampinhas e as piabinhas” pululavam na correnteza da primeira boca, enchendo os cofos-pescadores, como esquecidos ali, em uma torrente constante, dando-me a certeza de que jamais acabariam; e, definitivamente, se completava, quando eu saía para comprar “uma pratada de peixe”, “costume” visto, por mim, só em Pinheiro, após esperar tirar “o mato”.

Quanta coragem! Seu Urbano, “Manel” Campeiro, Madeira, Zé Vaqueiro (…); ou vendo Camburão e Carioca ir buscar as mais belas traíras, sem algum apetrecho, em um longo e silencioso mergulho; ou encontrar Cruzeiro, totalmente ébrio e “cinza”, a oferecer sua produção do dia, a fim de poder tomar mais um São João da Barra, vindo da barragem da Justina. Barragem prodigiosa, a qual trazia uma figura, por demais interessante, a vender “o peixe do dia”, dona Leonília, da família Paulo Coró, que era a pescadora preferida da vovó e muito me impressionava pela idade avançada, mas com um vigor absurdo.

Entretanto, o apogeu das pescarias era o espetáculo proporcionado por Fula, com seu búzio, chamando-nos a lhe comprar pescados e entretendo-nos com suas histórias, ditos e relaxos, que marcaram várias e várias gerações, com a certeza de que a “fartura” era certa.
Tantas lembranças, que se apresentam deliciosas, fumegantes e apetitosas como “uma pratada de angu, com iscas de jabiraca”!

Delícias, dessa época, que me fizeram herdeiro de hábitos (e bons), que ainda mantenho (até hoje): assar peixe, cheio, na brasa; escabechar traíra e cabeça-gorda, ao leite de côco; fazer um “cozidão”, de bagrinho; e, o mais saboroso de todos, fritar piabas, enfiadas em espetinhos de talos de folhas de coqueiro (!!!).

 

ZÉ CARLOS (José Carlos Gonçalves Filho) é natural de Pinheiro, na Baixada Maranhense. Estudou o curso “primário” no Grupo Escolar Odorico Mendes e o “ginásio” e o “curso científico” no Colégio Pinheirense. Formou-se em Letras Modernas, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É membro da Academia de Letras, Artes, Ciência e Agremiação de Saberes Culturais (ALEART), fundador da cadeira de número 10, tendo como patrono Odorico Mendes. Atualmente, desempenha as funções de revisor, escritor, letrista e professor de Redação, Língua e Literatura Brasileira e Portuguesa, para o ensino médio. Função, esta, desempenhada em diversos estabelecimentos de ensino do Maranhão.

Eu perdi o padrinho Sebastião Furtado

Eu perdi o padrinho Sebastião Furtado

Autor Nonato Reis*

Uma semana depois do falecimento da Madrinha Cici, foi a vez de o padrinho Sebastião Furtado fazer o mesmo caminho do plano celestial. Desnecessário dizer o quanto isso me afeta. O padrinho faz parte da minha infância e de toda a minha vida, como a seiva que percorre o caule e as folhas da árvore. Reproduzo aqui a crônica que lhe fiz para o livro A Fazenda Bacazinho, que mostra a sua importância para o Ibacazinho e também para Viana.

SEBASTIÃO FURTADO, A ANDORINHA QUE VEZ VERÃO

Dizem, e isso vem da Grécia antiga, que uma andorinha só não faz verão. Sebastião da Silva Furtado, hoje com 85 anos, pregou esse postulado de Aristóteles e o refez. Agindo solitariamente, confiando apenas na força dos seus princípios, fez história em Viana. Numa época em que a voz que se ouvia era a dos quartéis e a lei que pairava sobre todos era a dos fuzis, ele deu as costas para o regime, elegeu-se vereador por dois mandatos, tornou-se presidente da Câmara Municipal e quase chegou lá, como prefeito da cidade.

Os anos 50 foram difíceis. Perplexo, o país assistiu ao suicídio de Getúlio Vargas. No Maranhão, São Luís foi palco de uma greve política sangrenta, que tentou impedir a posse do governador Eugênio Barros, eleito por força de um processo eleitoral viciado. A Baixada Maranhense padeceu com a pior estiagem de todos os tempos. Em Viana, o Igarapé do Engenho, então perene e abundante, secou e o seu leito virou estrada de carro de boi.

É nesse ambiente conturbado que o jovem Sebastião começa a escrever os capítulos mais importantes de sua vida. Conhece Ceciliana, então menina de 16 anos, e com ela decide trocar alianças. ‘Raptou’ a garota e a levou para a casa de um parente. À noite, o dono da casa tentou colocar o casal em quartos separados. Sebastião reagiu. “Eu não roubei mulher para dormir sozinho”. Pegou a moça e a levou para a casa dos pais dele que, a contragosto, tiveram que “engolir” a decisão do filho.

Trabalhou duro com o pai na roça e na pequena criação de gado. Um dia o padre Manoel Arouche, vigário de Viana, chamou Antoninho Furtado, pai de Sebastião, e fez-lhe o convite. Queria que ele cuidasse do gado da Santa (sim, nessa época, Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Viana, era uma das maiores fazendeiras da região).

Antoninho chamou o filho e disse que só aceitaria a proposta, se ele o ajudasse. Sebastião coçou a cabeça, não tinha nada a perder. “Pai, se outros toparam, por que a gente vai desistir? A gente encara e mostra que sabe fazer”. Vaqueiro da Santa, ganhou visibilidade. Em pouco tempo tornou-se presidente da Associação dos Criadores do Município.

Ele tinha um açougue no mercado municipal. O lugar era uma bagunça. O tráfico de influência predominava. Quase nunca sobrava carne para os pobres. O prefeito Lino Lopes baixou portaria regulamentando a venda do produto. Todos teriam que obedecer à ordem de chegada. Um emissário do prefeito foi direto ao balcão. Queria quatro postas de carne. “O senhor vá para a fila”, advertiu Sebastião com sua voz grave e decidida. O emissário resistiu. Estava ali a mando do prefeito, não podia ir para a fila. “Por representar o prefeito o senhor devia ser o primeiro a obedecer à ordem dele. Ou o senhor entra na fila ou não lhe atendo”.

Dom Hélio de Campos chegara a Viana para chefiar a diocese local, substituindo a Dom Hamleto de Angelis. De visão política progressista, líder por vocação, Dom Hélio percebeu o isolamento da cidade do resto do Estado. A única ligação com São Luís era feita por via marítima, em lanchas que transportavam desde manufaturas a animais e gente. As viagens eram longas e perigosas.

Dom Hélio entendeu que era preciso construir uma estrada de rodagem ligando Viana a Arari. Deu início então a uma luta inglória, que o levaria diversas vezes a São Luís e Brasília, tentando convencer as autoridades a mandar construir a estrada. Mobilizou as entidades de classe e o povo. Foi como atear fogo em canavial.

De pronto recebeu o apoio de Sebastião Furtado, então líder classista rural, e também do padre Eider Furtado, tio de Sebastião e adepto da Teoria da Libertação. “A gente começou a entupir a mesa do ministro Mário Andreazza (Transportes) de telegramas, cobrando a licitação da estrada”. Ele deve ter ficado zonzo com tanta aporrinhação”.

Dom Hélio foi a Brasília. Na Base Aérea encontrou com José Sarney e pediu-lhe apoio, que o negou. “Sarney disse que o projeto não era viável, que a Baixada era uma região pobre”. Dom Hélio não desistiu, percorreu a esplanada dos ministérios, solicitou audiências. Em São Luís pediu o apoio do governador da época, que também o negou. A luta prosseguiu até que o Estado, vencido, decidiu abrir licitação e assinar a ordem de serviço.

À frente de uma comissão, Sebastião Furtado veio a São Luís assistir ao desfecho do processo licitatório no DER/MA. O grupo se alojou no Seminário Santo Antônio, onde confeccionou faixas e cartazes. Na volta a Viana, encontraram a cidade em festa. Uma multidão retirou Sebastião do ônibus e o carregou nos braços, agradecida. “Foi uma emoção enorme. Jamais esqueci”.

A conquista da rodovia deu-lhe visibilidade. Em 1972 Dom Hélio o chamou para comunicar que ele seria o candidato da Igreja e dos trabalhadores rurais à Câmara Municipal. “Mas como? Eu não entendo nada desse negócio de política!”. A decisão estava tomada. A igreja jamais se envolveu abertamente na campanha, mas ele recebeu o apoio em massa do sindicato de trabalhadores rurais e, concorrendo pelo MDB, elegeu-se único vereador de oposição.

Começava a jornada solitária da água contra o rochedo. Combateu a gestão de Walber Duailibe do começo ao fim. Na Câmara, que tinha 9 vereadores, o placar a favor do prefeito era vergonhoso: 8 a 1. Mesmo assim, articulou e conseguiu o cargo de secretário geral da Mesa, que na hierarquia do parlamento é o segundo em importância.

Seu primeiro projeto restabeleceu a dignidade da Câmara, ao transferir a sede do Parlamento, alojada no prédio da prefeitura, para outro imóvel. “Era um absurdo a Câmara funcionar ao lado do gabinete do prefeito, como um biombo”. O prefeito não queria o projeto, mas Sebastião, mesmo sozinho, articulou com os colegas de ofício e sua proposição foi aprovada por unanimidade.

Também apresentou projetos para a construção de escolas em duas localidades. O prefeito, dessa vez, agiu rápido e a Câmara rejeitou as matérias. Sebastião não se deu por vencido. Fez reuniões com as comunidades beneficiadas pelos projetos e, em sistema de mutirão, ergueu as duas escolas em barro e palhas de babaçu. Os salários dos professores pagava com recursos próprios, isso numa época em que os vereadores não possuíam remuneração.

Em 1976 concorreu à reeleição e ganhou. Na hora de montar a chapa da Mesa Diretora, aplicou um golpe de mestre. Havia dois grupos com igual número de vereadores disputando a presidência, um ligado ao prefeito eleito e o outro, ao candidato derrotado. Era o fiel da balança. Para qualquer lado que pendesse, levaria a eleição. Foi assediado pelos dois grupos e para todos repetiu a mesma história: seria candidato de si mesmo. Na última hora o prefeito o procurou e aceitou que figurasse na cabeça da chapa. Tornou-se assim presidente da Câmara, sem pertencer a grupo algum.

Era o tempo das baionetas e o verde-oliva metia medo. Um dia recebeu a visita de um coronal do Exército, que veio de Fortaleza com a missão de fazer aprovar um projeto de interesse do bispo Dom Adalberto. Sem meias palavras ordenou que Sebastião aprovasse a matéria. “Quem aprova ou rejeita são os vereadores, não o presidente”. O militar não quis saber, queria o projeto aprovado por ele e ponto. “Então o senhor faça aprovar um projeto que dê essa prerrogativa ao presidente”, rebateu.

Em 1982, lançou-se candidato a prefeito, enfrentando duas forças exponenciais. Teve quase 3.000 votos. O eleito recebeu pouco mais de 4.000. “Perdi porque não tinha apoio político nem material, mas o povo me apoiou”. Deixou a política e foi cuidar da vida. No dia em que completou 80 anos, comemorou a data ao lado da família e dos amigos. Eu quis saber o que passa pela cabeça de quem chega a essa idade, lúcido e admirado. “Dá vontade de ser eterno, de gozar a vida e jamais morrer”. A história tem a capacidade de imortalizar seus personagens.

* Nonato Reis é natural de Viana. Jornalista, poeta e escritor. Foi correspondente em São Luís da Folha de São Paulo em 1993 e colunista do Jornal Pequeno, no período de 2011 a 2017.

Vai cover na roça

Vai cover na roça

Autor Expedito Moraes*

“A única coisa que sabemos sobre o futuro é que ele será diferente” Peter Drucker.

Para nós, baixadeiros, a expressão “vai chover na minha roça” significa a certeza que de que haverá fartura. É a garantia de boa colheita. Da mesma forma, costumamos usá-la quando vislumbramos uma oportunidade de ganhar dinheiro, obter melhoria e prosperidade.

Entretanto, para que haja fartura, o pedaço de terra precisa estar roçado, capinado, destocado, limpo e cercado, para quando as primeiras chuvas caírem ter início o plantio. A colheita, para ser boa, depende de planejamento, ainda que mínimo, e noção das condições naturais. Vários fatores devem ser observados antes, durante e depois do plantio. O roceiro ou lavrador, em primeiro lugar, precisa definir o que vai plantar e para isso precisa saber o que “vai dar dinheiro” na próxima safra. Se não tiver uma boa semente e quantidade necessária para produzir o quanto deseja, terá que comprar.

Ter um pedaço de terra “que tudo dá” é fundamental. Precisa saber o momento exato do plantio e evitar pragas e ervas daninhas. E, finalmente a colheita, o armazenamento e a comercialização. Enfim, o lavrador, para fazer uma roça e ser bem sucedido, depende de um certo aprendizado. Aprendizado este passado de pai pra filho.

Precisamos, urgente, aprender a produzir mais e melhor. Para mudar, precisamos fazer o que sempre fizemos de modo diferente. Precisamos de novos conhecimentos, tecnologia e eficácia. A busca da produção eficaz implica em constante aprimoramento do processo produtivo. E isto só é possível por meio de conhecimento, capacitação e vontade firme para quebrar paradigmas.

Bill Gates afirma que, para se ter sucesso nos negócios, basta perceber para onde o mundo se dirige e chegar lá primeiro e Adam Smith dizia que a geração de riqueza de uma nação depende do desenvolvimento e crescimento econômico de cada cidadão.

A nossa roça são as microrregiões da Baixada e Litoral Ocidental, esse imenso território que vai receber “chuva” de investimentos nos próximos anos. Bilhões de reais serão investidos em projetos grandiosos. Anunciam o CEA-CENTRO ESPACIAL DE ALCÂNTARA, o TAP-TERMINAL PORTUÁRIO DE ALCÂNTARA, a BR-308, a PONTE LIGANDO BACABEIRA A CAJAPIÓ, OS DIQUES DA BAIXADA e outros que serão agregados a esses MEGAS PROJETOS. Sonho? Com certeza, não.

Este texto eu publiquei há mais ou menos 2 ou 3 anos. O objetivo era alertar para esta realidade. O Fórum da Baixada, no final de 2019, já procurando antecipar-se à implantação destes projetos, iniciou um processo de Cooperação Técnica com a UFMA (criamos um Grupo de Trabalho); no Centro de Lançamento de Alcântara fomos gentilmente recebidos em visita técnica e iniciamos tratativas de parcerias; estamos permanentemente acompanhando o processo de elaboração do projeto dos Diques da Baixada junto à CODEVASF. Fala-se em criação de consórcios de municípios em várias regiões, nos parece bom.

OBS: Nesta semana o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Marcos Pontes, esteve em São Luís e ouviu isto da FIEMA, leiam a matéria seguinte: https://globoplay.globo.com/v/9244852/

Reunião do FDBM e UFMA

Visita do FDBM ao DNIT

Visita do FDBM ao Centro Espacial de Alcântara

*Expedito Nunes Moraes é natural do povoado Cachoeira em Cajari (MA). Graduado em Administração (UEMA). Foi deputado estadual entre 1995 a 1997 e empresário da construção civil. Exerceu vários cargos na administração pública do Maranhão. Presidente de Honra do Fórum da Baixada (gestão 2016/2017); 1º Vice Presidente (gestão 2019/2021).