A Baixada e a Praia Grande

Historicamente, o território da Baixada Maranhense foi palco de um enredo formado por brancos europeus colonizadores, negros africanos e índios nativos ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX. Nessa microrregião eram geradas riquezas oriundas da  produção do algodão, da cana-de-açúcar, do arroz, da farinha de mandioca, da pecuária, do extrativismo do babaçu etc., comercializadas na Capital e destinadas ao  consumo interno e à exportação para a Europa,  principalmente do açúcar e do algodão.

A Baixada Maranhense contribuiu decisivamente para conduzir o Maranhão ao segundo lugar nacional na produção de algodão e uma das províncias mais prósperas do nosso país, ombreada com Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.

A fartura proveniente da nossa região impulsionou a construção dos suntuosos casarões de até quatro pavimentos, que serviam de residência para as famílias abastadas (fazendeiros da Baixada e ricos comerciantes de São Luís) e abrigavam os pontos comerciais da Praia Grande.

As embarcações que transportavam as nossas mercadorias para a Europa, traziam, no seu retorno a São Luís, lastros de pedras de  cantaria e azulejos portugueses, os quais até hoje adornam as calçadas e fachadas dos sobrados desse cenário urbano e arquitetônico que vivenciou períodos áureos de progresso e opulência.

Todo o lucro obtido com a produção e o comércio permanecia concentrado nas mãos de uma aristocracia formada por fazendeiros e grandes comerciantes da Praia Grande.  Os seus filhos estudavam nas  melhores escolas da Europa ou nos centros mais desenvolvidos do nosso país – a Bahia e o Rio de Janeiro.

Como em todo o Brasil, na Baixada também os escravos africanos constituíram a base de sustentação da economia colonial e imperial. Sem o auxílio de máquinas e exaurindo a força dos seus braços, com jornadas de doze a quinze horas por  dia, a vida útil de trabalho de um escravo durava de dez a quinze anos. Na Cafua das Mercês, na Praia Grande, funcionava o mercado de venda dos cativos procedentes da África e que abastecia com mão de obra graciosa as fazendas da Baixada e de outras regiões do Estado.

Na segunda metade do século XIX, os negros escravizados nas fazendas da Baixada, não suportando mais o perverso regime a que foram subjugados por séculos, promoveram diversas rebeliões, segundo relatos da professora e pesquisadora Mundinha Araujo, no seu brilhante livro “A Insurreição dos Escravos em Viana – 1867”.

Após essa sublevação libertária e de resistência à opressão escravagista, irradiada por toda a Baixada, os quilombos se multiplicaram e a economia baixadeira começou a estagnar. Vinte e um anos depois, com  o advento da  Lei Áurea, que aboliu o regime escravocrata de 350 anos (o mais longo da história das Américas), a atividade produtiva da Baixada entrou em decadência.

O declínio econômico da Baixada provocou a ruína do faustoso comércio da Praia Grande e o abandono dos luxuosos sobrados pelos seus moradores, que se deslocaram em sua  maioria para o Rio de Janeiro.

Desde a época colonial até os tempos hodiernos, São Luís sempre foi vocacionada para o mercado externo, por meio de seus portos. Nos tempos da colonização, a maioria dos artigos  exportados era produzido no continente, notadamente na Baixada, daí  a conclusão de que o comércio da Praia Grande floresceu e conheceu o seu apogeu por força da pujança econômica da Baixada Maranhense.

Os barcos a vela realizavam a travessia para a Capital do Estado, atracando nos armazéns e de lá retornando com as mercadorias de consumo para abastecer as fazendas e o comércio da Baixada. A decadência de uma provocou a derrocada da outra.

Com o passar dos anos, a Praia Grande passou a ser identificada como o Centro Histórico de São Luís e, em dezembro de 1997, por reconhecimento da UNESCO,  foi tombada como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade.

Hoje, nós baixadeiros, reconhecemos e reivindicamos que, antes de ser patrimônio da humanidade, o Centro Histórico de São Luís é o patrimônio do trabalho, do suor e do sangue do povo da Baixada Maranhense. Tributamos grande respeito e amor a São Luís, essa querida cidade que nos acolheu de braços abertos e que continua imbricada às nossas vidas e à nossa região de origem. Veneramos a Baixada, nossa terra, nossa gente, nosso gentílico baixadeiro, sua cultura, suas tradições, sua beleza esplendorosa, seus encantos, sua imponência natural espelhada nos seus rios, lagos e campos coloridos de flores e habitados por  diversificadas espécies de peixes,  pássaros e outros animais silvestres.

O Brasil e o Maranhão têm uma grande dívida para com a Baixada. E especialmente para com a nossa gente laboriosa, nossa nação baixadeira, que produziu riquezas no passado e foi  abandonada pelo Poder Público no presente. Urge resgatarmos o nosso legado histórico para que a Baixada volte a ser o celeiro do Maranhão e o melhor lugar para se viver. Estamos na luta para suplantar  esse colossal desafio e, com certeza, os “Ecos da Baixada Maranhense” serão ouvidos e hão de conquistar a mais ampla repercussão.

Crônica de Chico Gomes publicada no Livro Ecos da Baixada nas páginas 24/27.