Matinha: terra da manga, um périplo gastronômico por sua flora

Autor João Carlos*

Desde tempos imemoriais, quando ainda eram intituladas polis, as cidades guardam duas características que praticamente existem em todas elas: o mito de criação e um apelido pela qual são chamadas em função de algum episódio que ocorreu/ocorra com frequência em seu território, deixando assim marcas profundas nestas e seu povo, com repercussão dentro e fora dos seus limites.

Assim, Roma é a cidade eterna; Jerusalém, cidade santa; Paris, cidade luz; Berlim, a cidade das infinitas possibilidades; São Paulo  a terra da garoa, devido esta cair com intensidade em seu chão; Rio de Janeiro, cidade maravilhosa; Recife, a Veneza Brasileira, por causa dos seus muitos rios; Teresina é chamada de cidade verde, alcunha dada pelo maranhense Coelho Neto, pelo fato  da cidade ter ruas ,  praças  e  avenidas entremeadas de árvores ; Belém,  a cidade das mangueiras ou metrópole da Amazônia; São Luís  a ilha do amor, ou mais recentemente, do reggae, etc.

Na Baixada Maranhense, microrregião que fica ao norte do nosso Estado, compreendendo 21 municípios segundo nomenclatura do IBGE, mas que pela   doxa  popular são 34, pois na visão de muitos dos  seus quase 800 mil moradores, a micro região do Litoral Maranhense, que possui 13 municípios, por suas características similares, pode ser chamada Baixada, (como  o foi durante muitos anos), alguns  municípios  também apresentam  epítetos, que por si só já definem a forma como os conhecemos: Arari, terra da melancia; Anajatuba, cidade dos anajás; Viana, cidade dos lagos;  Penalva, capital dos lagos; São João Batista, terra do caranguejo; São Vicente Ferrer, terra das carambolas; São Bento, terra do queijo; Bequimão, terra do jaçanã; Peri-Mirim, terra da piaba; Pinheiro, princesa da Baixada; e assim sucessivamente.

Matinha, cidade desmembrada de Viana e tendo a sua emancipação política sido efetivada no ano de 1948, também tem um nome que a define: terra da manga, (hoje já um tanto questionada, devido a devastação dos mangueirais), em razão das inúmeras árvores desta espécie que existiam na cidade desde antes da sua fundação.

Conhecida como a rainha das frutas tropicais, a manga, curiosamente não é nativa do Brasil ou das Américas, chegou ao nosso país através dos portugueses. Sua origem está na Ásia, mais especificamente na Índia e parte das Filipinas.

Encontrou no país, especialmente em Matinha clima propicio de subsistência e adaptação, sendo hoje inimaginável crer que a deliciosa manga comprida achada no mangal do sulino, a estupenda manga de massa do terreiro de Zé Manoel de Ulisses, as saborosas manguis dos povoados Azevedos e  Cutia I, ou a manga rosa do quintal de vovó Lola, segundo palavras do saudoso  reverendo Adiel Tito de Figueiredo, um manjar paradisíaco, tenham ancestrais asiáticos.

Para 100% dos matinhenses, esse maná do céu, que supre as necessidades nutricionais do nosso povo mais carente financeiramente, especialmente degustada com farinha d’agua, não só existe desde sempre em nossas paragens, sendo portanto, autóctone, como representa de modo pleno o nosso ufanismo.  Por isso, ao invés de nos sentirmos ofendidos, enchemo-nos de orgulho quando somos denominados de “comedores de manga”, ou de modo mais grosseiro, “caga fiapo”.

A propósito, na minha adolescência e juventude, oportunizei participar de diversas altercações nos campos de futebol, quadras de esporte ou em algum canto, nas cidades de Viana, Penalva, São Vicente Ferrer, São João Batista e São Bento, onde apelidos pejorativos eram a base dos entreveros. “comedor de manga”, “caga fiapo”, gritavam contra nós; “comedor de peixe podre “, revidávamos aos vianenses; “caga cola”, aos joaninos, devido as muitas jaqueiras nessa cidade; “comedor de jacaré”, aos penalvenses; “comedor de carambola”, “carambola não dá sangue”, aos vicentinos;  e “ comedores de muçum”, ou “vão banhar no poção”, aos sambentuenses.

Essas disputas resultavam em desfechos trágicos. Não foram poucas as vezes que se viu cidadãos com cabeças, pernas e braços quebrados, levando pontos e deixando cicatrizes ou defeitos permanentes. Pneus de caminhões furados, grupo de homens cercando, com pedras e paus sendo jogadas nas nossas saídas dessas cidades, após partidas de futebol ou vôlei também faziam parte desse cenário aterrador.

A cognominada “terra da manga”, bem como a região inteira da Baixada Maranhense, é pródiga em pomos comestíveis, tanto os “do quintal”, como poderíamos chamar aqueles cultivados pela mão humana; quanto os silvestres, encontrados no seu habitat. A manga, nosso maior símbolo, não é só uma variedade, são inúmeras: rosa, a mais importante e apreciada; comprida(burra), espada, bolinha, de massa, do Pará, foice, mangui(manguita), manga pera, da Bahia, cajá. Tem até uma, que falada sempre em tom de voz baixo (e longe das crianças), representa o órgão genital feminino.

Criviri, gapeua, goiaba,(araçá, prata, amarela, vermelha), camucá, marajá, peruana, amejuba, banana, (três quina, cacau, costela de vaca, da terra, roxa, casca verde, maçã), melancia, melão, meluí, camapu, mamão, ingá, (de macaco, de metro, casca verde), murta, bacuri, bacuri pari (bacurizinho), macaúba, (mocajuba), anajá, biribá, graviola,(jacama) pequi, cajá, castanha, caju, araticum, ata, limão, limãozinho, jambolão, sapucaia, cauaçu(cuaçu), condessa, titara, laranja,( da sina, da terra, laranjão, laranja lima), lima, tanjarina, tuturubá, maracujá, maracujazinho do mato, siriguela, pitomba, pitanga, fruta pão, jenipapo, jaca, abacate, cacau, carambola, ananás, abacaxi, coroatá, juçara, bacaba, jutaí, cupuaçu, cajazinho, buriti, tucum, coco da praia, coco babaçu, tamarindo, murici, esporão de galo, jambo, oiti, amendoa,  são os abundantes  frutos que a natureza bondosamente dotou nossa terra.

Além dessas elencadas, que ocorrem em grande quantidade na flora matinhense, ainda defrontamos outras frutas, das quais eu só conheci um exemplar em toda a cidade. Eram as cognominadas frutas estrangeiras. Esse termo estrangeiro, é muito utilizado em Matinha, normalmente na política, quando nas suas refregas, contendores   procuram fazer a divisão entre os naturais da terra, que têm o “umbigo enterrado”, e aqueles que chegaram de outras plagas, geralmente com um olhar depreciativo aos segundos.

Uma delas é a ginja, (prunus cerasus), também conhecida como cereja ácida ou amarena, oriunda da Europa. Uma fruta de sabor agridoce, encontrada no quintal da antiga casa do posto de revenda. Outra era o sapoti (manilkara sapota), fruta originaria da América Central, que quando bem madurinha, chega a derreter na boca com um adocicado sublime, existe na antiga casa de Zé Estácio Baia e dona Cléa; Tinha também o abricó (mammea americana), no quintal de vovó Lola. Fruta só existente em São Luís, o pé de abricó fora plantado pelo meu tio Daniel Debraim, o Dezinho, caçula da prole de sete filhos dos meus avós. Por fim a pupunha, (bactris gasipaes), fruta nativa da região Amazônica, trazida a Matinha  e plantada em frente sua casa, por Flavio Diogo de Moraes, um enfermeiro paraense com coração matinhense, que amava demais nosso povo, (como aliás muitos dos “forasteiros” que aqui chegaram e fixaram residência). É uma variedade de palmeira com espinhos, os frutos só podem ser consumidos depois de cozidos.

Uma pesquisa mais acurada sobre essas arvores frutíferas exóticas, alóctones, talvez traga à baila um pouco da história dos primórdios da colonização de Matinha, hoje completamente esquecida, haja vista que pela sua posição geográfica, situam-se bem próximas umas das outras, (duas quadras), numa área onde cremos, nossa cidade principiou.

Distante da capital mais ou menos 240 km, essa terra bendita possui nos seus 408,7 km² uma rica e pujante flora de conteúdo gastronômico, podendo utilizá-los em uma gama de possibilidades, como confecção de compotas, vinhos, sucos, pudins, doces, geleias, licores, etc…. além de servi-los in natura, alcançando significativo impacto na estrutura econômica e social de sua população. Pondo num outro patamar o processo produtivo, certamente dotando a nossa cidade, Matinha, a terra da manga, de melhor (IDH) índice de desenvolvimento humano.

João Carlos da Silva Costa Leite é natural de Matinha (MA); bancário aposentado; presbítero em disponibilidade da IPIB Matinha; membro do Fórum em Defesa da Baixada Maranhense (FDBM); membro fundador da Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras (AMCAL), ocupando a Cadeira nº 17; é graduando do Curso de Filosofia da UFMA.